Crédito do ICMS nas operações de uso e consumo: eterna espera do contribuinte
É notório que o ICMS (Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços de Transporte Interestadual, Intermunicipal e de Comunicação) consagra o princípio da não-cumulatividade, conforme sistemática positivada pelo art. 155, §2, I, da Constituição Federal de 1988.
Neste sentido que, nos termos do art. 20 da Lei Complementar nº 87/96 (Lei Kandir), é assegurado ao sujeito passivo do tributo o direito de creditar-se do imposto anteriormente cobrado em operações de que tenha resultado a entrada de mercadoria, real ou simbólica, no estabelecimento, inclusive a destinada ao seu uso ou consumo.
Contudo, não é novidade que a legítima pretensão dos contribuintes ao creditamento relativo aos bens destinados ao uso e consumo vem sendo frustrada desde a publicação da Lei Kandir, por meio de sucessivas prorrogações da limitação temporal introduzida pelo art. 33 desta mesma norma, que, inicialmente, estabeleceu que o referido creditamento estaria autorizado a partir de janeiro de 1998 – pouco menos de dois anos após a publicação da norma.
Ocorre que tal limitação, cujo objetivo era assegurar aos entes competentes tempo hábil para se preparar para o impacto fiscal decorrente da autorização e regular o conceito de “bens de uso e consumo” para fins de creditamento do tributo, passou, então, a ser prorrogada sistematicamente (nos anos de 1997, 1999, 2002, 2006, 2010), resultando em um atraso que atualmente soma mais de 20 anos.
Como se não bastasse, a espera dos contribuintes parece cada vez mais longe de acabar. No final do ano passado foi publicada a Lei Complementar nº 171/19, alterando o tratado art. 33 da Lei Kandir, para prorrogar pela sexta vez o prazo de início da apropriação dos créditos de ICMS sobre mercadorias destinadas ao uso ou consumo dos estabelecimentos contribuintes do imposto. Desta vez, a extensão do prazo foi ainda mais relevante – até janeiro de 2033.
O Projeto de Lei Complementar nº 223/19, apresentado pelo senador Lucas Barreto (AP) e posteriormente convertido na tratada Lei Complementar nº 171, aparentemente apresentou como único argumento para justificar tal medida o fato de que seria bastante preocupante aos Estados, submetidos a graves dificuldades fiscais, permitir aos contribuintes o aproveitamento dos créditos.
De fato, não se pode negar que o conceito de “bens de uso e consumo” é amplo, e permitiria um aumento relevante no volume de créditos apurados por contribuintes do ICMS, resultando em possível queda na arrecadação dos Estados e do Distrito Federal, o que poderia contribuir para o aprofundamento da situação de calamidade nas contas públicas vivenciada atualmente por muitos Estados da federação, como é o caso do Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul.
De outro lado, a existência de tais restrições permite diversas autuações realizadas pela fiscalização, sob o argumento de que as mercadorias seriam bens de uso e consumo.
Ainda assim, em termos legais, seria possível supor que a ausência de proibição em relação à apuração e aproveitamento de tais créditos, em âmbito constitucional ou mesmo infraconstitucional, serviria de fundamento para que contribuintes obtivessem êxito ao contestar judicialmente a limitação temporal apresentada pelo tantas vezes requentado art. 33 da Lei Kandir.
Contudo, o entendimento consolidado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) em relação ao tema foi de que “são legítimas as restrições impostas pela Lei Complementar nº 87/96, inclusive a limitação temporal prevista em seu art. 33, para o aproveitamento dos créditos de ICMS em relação à aquisição de bens destinados ao uso e consumo (…)”. (AgRg no RE nº 1.551.753/15 e RE nº 1.281.952/17).
Deste modo, sendo infrutífero socorrer-se das vias judiciais para afastar tais restrições, não restam muitas opções ao contribuinte além de se conformar com a aparente perpetuidade da limitação a tomada de créditos de ICMS sobre itens destinados ao uso e consumo das empresas, visto que as chances de êxito em caso de discussão judicial do tema, pelo menos por enquanto, parecem remotas frente à jurisprudência mais atual do assunto.
Fonte: Estadão
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